Bom tempo ajudou sucesso… à mesa
Se o Natal é tempo de mesa farta e convívio, boa disposição e oferta de presentes, então o Passeio que, anualmente, junta sócios do Moto Clube do Porto aos clientes e amigos da Mototrofa voltou a fazer jus à quadra que está mesmo aí à porta. A ideia, já se sabe, é confraternizar, desfrutar de algumas das mais interessantes estradas do Norte de Portugal, descobrir uns quantos tesouros paisagísticos e etnográficos, conhecer o património e artesanato lusitano, e, claro está, apurar os sentidos gastronómicos.
Desafio a que responderam uma centena de entusiastas, esgotando completamente os lugares disponíveis, que sem temores à incerteza climatérica acabaram por ser brindados com o dia mais soalheiro dos últimos tempos. E nem o nevoeiro matinal diluiu grande animação desde o primeiro momento, quando, ainda bem cedo, nas instalações da Mototrofa, os participantes iam fazendo o check-in e provando o delicioso bolo da Trofa, jesuítas e outras lambarices com que os irmãos Isabel e Francisco Silva sempre gostam de acarinhar os convidados. Tempo para as primeiras conversas e para um curto briefing antes de colocar em andamento a caravana de 73 motos, com saída da Trofa através das vias menos usuais e de maior envolvente paisagística.
Voltas e voltinhas para fugir ao trânsito matinal de um sábado, que levariam o pelotão, muito certinho, até à Doçaria de Fornelos para a primeira descoberta do dia. Casa afamada pelo pão de ló, largamente reconhecido como um dos melhores do País, revelou alguns dos segredos (os possíveis…) da confeção desta iguaria feita apenas com farinha, açúcar e ovos caseiros e cozinhado em forno de lenha. Fruto de uma receita, com mais de 70 anos, transmitida de geração em geração até chegar a César Freitas, bisneto da criadora de tão doce segredo. Sempre presente, a mãe do incansável pasteleiro, a simpática D.ª Emília, conta que todos os dias saem dos fornos a lenha mais de 50 quilos de pão de ló mas que, por alturas do Natal ou da Páscoa são produzidas mais de 7 toneladas desta iguaria, à custa de muitos milhares de dúzias de ovos caseiros, com as gemas separadas à mão por verdadeiras especialistas. Tempo ainda para descobrir outras doçarias, a começar pelos fabulosos doces de gema, feitos, claro está, com a gema de ovos caseiros e que, por isso mesmo, possuem uma cor e sabor inconfundíveis, além de das tradicionais cavacas, rosquilhas ou dos biscoitos manteigueiros, de limão, côco, cacau ou baunilha.
De barriguinha bem composta, rumou-se mais a norte, através de estradinhas ladeadas por surpreendentes paisagens, passando por inúmeros carvalhais de belíssimos tons outonais, rasgando a pacatez de algumas aldeias até chegar a Aboim. Simpática, a Anne Sophie Pereira, responsável pelo Museu do Moinho e do Povo de Aboim desvendou os segredos do Moinho da Casca de Carvalho onde, como o próprio nome indica, era moído o referido elemento natural extraído das árvores que formam a maior mancha de carvalhal em toda a Europa. A casca, extraída apenas uma vez durante toda a vida da árvore, era moída até ficar em pó, vendido para as fábricas de curtumes de Guimarães para tratar as peles, garantindo assim maior maneabilidade e resistência.
Cozido à Portuguesa no alto da serra
Visita mais rápida que o desejado porque era preciso aproveitar cada minuto dos dias muito curtos desta altura do ano e porque muito havia ainda para ver e provar. E com o estômago quase a dar horas, regresso à estrada, atravessando as serranias de Fafe até Boadela onde a D.ª Maria da Graça, a filha Cátia Jéssica e toda a família tinham preparada uma enorme surpresa. Em verdadeiro ambiente de arraial, a que nem faltou um tocador de concertina, o senhor Albino, já estavam na mesa as primeiras entradinhas, com presunto, salpicão, chouriço, bolinhos de bacalhau e pataniscas do mesmo, enquanto as alheiras acabavam de grelhar, para serem servidas bem quentes. Uma delícia antes da sopa de legumes à boa moda portuguesa, bem recheada e corpulenta, daquelas onde a colher se segura sozinha, em jeito de preparação para o prato principal: um cozido à portuguesa que deixou todos de olhos em bico. E com o estômago a abarrotar! É que foi impossível não experimentar todas as diferentes carnes que acompanhavam as batatas, couves e cenouras plantadas no quintal mesmo ali ao lado. Deleite gastronómico que, apesar da muita alegria reinante, criou silêncio durante algum tempo, próprio de quem quer usufruir de toda uma enorme paleta de aromas e paladares que só a (verdadeira!) cozinha tradicional oferece.
Tamanho banquete que quase roubava todo o espaço e apetite para as não menos deliciosas sobremesas que aí vinham. Altura, pois, para um pequeno intervalo, aproveitado para animado sorteio de inúmeras ofertas natalícias da Mototrofa, desde cadeados de disco a capacetes, de suportes de telemóvel a produtos de manutenção, de golas térmicas a carregadores de baterias, gerando muitas expressões de alegria antes de ‘atacar’ as rabanadas com mel, aletria à boa moda antiga, bolo rei e pão de ló. E com um ambiente tão agradável como seria possível continuar o Passeio de Natal sem atrasos? Impossível, pois claro! Mas não sem que antes todos os participantes fossem presenteados com um kit de enchidos da ‘Rainha do Fumeiro de Terras de Basto’, a D.ª Maria da Graça, pois claro, oferta do Moto Clube do Porto e da Mototrofa.
Surpreendente estreia mundial no Museu do Linho
Foi preciso muita força de persuasão para fazer os convivas regressar às motos, para o curto mas muito bonito percurso até à aldeia de Limões, onde nos esperavam as artesãs do Museu do Linho e da Cooperativa de Artesãos. E onde, depois da concentrada mas eficaz explicação do Dr. Emanuel Guimarães sobre o ciclo tradicional do linho, da sementeira da linhaça até à toalha, dos teares até às colchas, e da sua importância para as populações, foi tempo de apreciar a destreza das experientes Maria de Jesus, Maria Augusta e Margarida Isabel. Que, com o incentivo do coordenador da cooperativa António Tavares, ajudaram mesmo as mais audazes motociclistas a transformarem-se em tecelãs, testemunhando a grande dificuldade em criar verdadeiras obras de arte sob a forma de colchas, toalhas, casacos ou mesmo pequenos sacos para o pão. Tarefa que a muitos abriu o apetite para a estreia mundial dos quequelinhos, bolo feito com sementes do linho e que promete ser imagem de marca do concelho de Ribeira de Pena. E que, acompanhado com vinhos verdes da região, broa de centeio, compotas e mel de urze surpreendeu o palato dos mototuristas antes da viagem de regresso e ajudou a encher as malas das motos. Que a noite agora chega rápido e havia que não abusar da bondade do S. Pedro que brindou a caravana com um excelente dia de sol no meio de tempos tão chuvosos. Regresso a casa com uma barrigada de novos sabores, mas também de boas estradas e muito convívio porque assim se faz o Natal dos motociclistas, com os amigos reunidos à volta da mesa.