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Se o destino for alcançável de moto
nós iremos lá!

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A voz do Fundador - Mário Campos

Por Mário Campos - sócio nº 11 de 14 de Maio de 1986

Crónica de uma entrada anunciada

Porto,meados de 1986...!

Na nossa cidade, (e no Pais) a vida corre excitante. Excitante? Sim, tínhamos acabado de ingressar na CEE, e observávamos, estupefactos, as diferenças, no que respeita às motos… que essa “entrada” então propiciava...!

“Livre circulação, de pessoas e bens...” assim rezava o princípio geral da CEE.

Os garageiros passam, num ápice, a concessionários...!

Já se pode sair para Espanha, ou para a Europa, com todo o dinheiro que se quiser, em divisas (o euro só em 2002)...!

Os fatos da Furygan, da Dainese, os capacetes da GPA, da Arai, da Shoei, começam, lentamente a aparecer nas lojas do Porto, e paulatinamente, deixa de ser preciso ir a Andorra para adquirir bom equipamento.

Mas... a principal diferença senhores, sim a principal diferença? As motos.Todas. De todas as cilindradas. De todas as cores.De todos os géneros. Após 12 anos de marasmo (1974 a 1986), só a poder comprar 50 cc e 125 cc, de repente as... 750 e as 1000 cc. Êxtase. Sonho. Beliscões para acreditarmos que estávamos acordados. E com... crédito! Sim, antes, NÃO havia crédito para motos e a solução era comprar em autogrupos...!

Situados no tempo?

Ok, vamos lá então para o Moto Clube do Porto.

Penso que, numa tarde de Maio, estou na loja da Horizmoto, na rua da Torrinha (penso que já com o meu amigo Abel, como vendedor...), peregrinação habitual, semanal, na maior parte das vezes, para ver o mesmo material exposto (lembro-me perfeitamente dos guarda-lamas em plástico coloridos da Stilmotor ), e oiço, inadvertidamente uma conversa de outros clientes (Artur Gravato? Ernesto Oliveira?), sobre um tal de MOTO CLUBE do PORTO, em... formação, e que “se reunia às 6ª feiras à noite, num café chamado Varanda do Sol, na Avenida Brasil”...!

Comecei a tremer (por dentro, por dentro...), e disfarçadamente arranjei mais motivos para ficar por ali, a ouvir indiscretamente, a conversa daqueles desconhecidos...!

O meu sonho! Eu que andava sempre sozinho, que não conhecia ninguém das motos grandes (ok, ok ... havia o meu circulo de amigos, e colegas do voleibol no Atlântico da Madalena, mas quase todos de 50 cc...), e que, o mais próximo que tinha, da sensação de ser motociclista (arrenego-te MOTARD, abomino-te MOTOQUEIRO...), era quando ia para Vigo montado na minha 125, com uma camisola perfurada da Suzuki, e uma botas de cross feitas em S. João da Madeira! Já ia com a Anabela, e tínhamos direito a cumprimentos, dos outros, sim dos GRANDES motociclistas das motos de grande cilindrada...! Naqueles míseros décimos de segundo, em que um espanhol, distraído com certeza, cumprimentava, com os dedos em V,do alto da sua Yamaha XJ 600, os dois putos portugueses, patéticos na pequena e singela 125, eu era um MOTOCICLISTA.

Só me faltava um MOTO CLUBE.

Bem, o resto dessa semana foi um tormento.

Lá consegui sobreviver até arrancar, depois do jantar, SEMPRE com a Anabela..., para a Avenida Brasil.

“Sózinho” dentro do meu capacete AGV NEW AGO, o percurso de Gaia até lá foi a magicar o que iria fazer...! Como integrar-me? Como apresentar-me? Que nível de descaramento, era preciso para, sem conhecer ninguém, ”entrar”? A minha moto seria normal face às outras? Ou seria só motões de grande cilindrada, e eu com a minha Suzuki iria ter vergonha? Um turbilhão de pensamentos e nem todos bons...!

Aproximo-me da curva que antecede o Varanda do Sol... o raio das pernas começam OUTRA vez a tremer. Vejo, pelo canto do olho, um monte de motos GRANDES, TODAS GRANDES estacionadas em frente ao café e um grupo de pessoas e capacetes...!

Bloqueado! Bloqueado, foi como fiquei, e não parei...!

A Anabela agitou-se na banco de trás e perguntou-me atónita: “Atão? Não páras?”

Acho que não respondi, tenho a certeza de que fui no entanto dar a volta toda, até ao Castelo do Queijo.

Respiro fundo e... segunda passagem.

Volto a aproximar-me, reduzo para segunda, e volto a passar, lentamente, como quem implora: “Façam alguma coisa, porra!”.

Desta vez cravo os olhos nas motos. Uma Honda 1000 CBX pérola, de 6 cilindros, uma BMW K100LT bordeaux, uma Kawasaki Z 1000 Eddie Lawason réplica verde, uma Kawasaki GPZ 1000 RX preta...! O que eu temia!

Só motões. Alguns braços levantam-se e acenam...!

Não páro.

Mas... inicio a 3ª volta.

O mesmo comportamento, a mesma velocidade engrenada, a mesma atitude passiva, estúpida e tímida...!

A diferença?

Desta vez há um gajo (que pena que eu tenho de não me lembrar quem foi!) que sai intempestivamente, do grupo estacionado, avança decidido, pelo meio dos carros de uma 6ª feira à noite, obriga-me a parar colocando uma mão no meu ombro, e pergunta: “És do Porto? Queres pertencer ao Moto Clube que vai aparecer?”

Conheci de imediato o Ernesto Oliveira, o Artur Gravato, o Osvaldo Garcia, o Carlos da Horizmoto, o Domingos, o Antunes e a Bela de Espinho, o Paulo Guimarães e a Eunice, o Vasco Lima e a Sofia, a restante família Garcia.

Eis como entrei.

O que fizemos (Anabela incluída) a seguir, toda a gente sabe.

Em relação ao meu Moto Clube do Porto, só há uma coisa que eu não sei: com que idade serei FORÇADO a deixá-lo?

Pretendo estar presente nas cerimónias dos 75 anos do Clube.

Vou insistir no “meu elixir da juventude”, e portanto bebo nesta altura, mais um Favaios, brindando à vossa saúde!

Saúde!